Este texto foi escrito no início de 2011 e aborda uma leitura acadêmica de "O cortiço" de Aluísio Azevedo.
Procuro desenvolver reflexões sobre as relações entre história, literatura e música. O livro está repleto de musicalidade e utilizo este aspecto para realçar as análises históricas.
Procuro desenvolver reflexões sobre as relações entre história, literatura e música. O livro está repleto de musicalidade e utilizo este aspecto para realçar as análises históricas.
Os sons do cortiço: comentário sobre a
música, literatura e história no romance O
cortiço de Aluísio Azevedo.
Florianópolis, fevereiro de 2011.
Autor: Guilherme
Gustavo Simões de Castro, Doutor em História pela Universidade Federal de
Santa Catarina mestre em Literatura pela mesma instituição.
1. Introdução
A obra O cortiço, de Aluísio
Azevedo, publicada em 1890 é considerada um dos clássicos da literatura
brasileira por uma gama de críticos e historiadores. Conforme aponta o crítico Antonio
Candido, a verossimilhança, ou seja, o sentimento de realidade que tem os seres
fictícios e a estrutura de um romance depende da unificação do fragmentário
pela organização do contexto. A concatenação é o fator essencial para conceder
estatuto de realidade e verdade aos entes literários e fictícios, a mágica que
faz com que pareçam vivos e que lhes dá coesão, tão inteligíveis e capazes de
ações quanto os próprios seres reais. [1] Ainda
no mesmo texto, o crítico comenta que a eficácia do romance está na construção
estrutural. No livro O cortiço, todos os personagens são
carismáticos e marcantes, o que cria uma sensação de que o leitor também faz
parte do enredo e que está vivenciando através da leitura as experiências dos
personagens como se estes fossem entes reais.
Antonio Candido chama este fenômeno de paradoxo do personagem. O autor
descreve que (...) a criação literária
repousa sobre este paradoxo, e o problema da verossimilhança no romance depende
desta possibilidade de um ser fictício, isto é, algo que, sendo uma criação da
fantasia, comunica a impressão da mais lídima verdade existencial. [2] Uma
das peculiaridades deste romance do escritor maranhense reside em não haver um
personagem humano central no enredo do livro. Apesar da importância e da
intimidade que o leitor estabelece com os personagens, o protagonista não se
limita ao João Romão, ou a Rita baiana, ou a Bertoleza, ou ao Jerônimo, entre
outros. O que ocorre com o personagem central é que ele é o próprio cortiço. O
estabelecimento ganha uma natureza das coisas vivas, é descrito como um
organismo, no qual todas as suas partes e habitantes são integrantes de uma
entidade maior. Aluísio Azevedo descreve o cortiço desta maneira em vários
momentos da narrativa, como no excerto abaixo:
Eram
cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua
infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um
acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo.
Como que se sentiam ainda na indolência da neblina as derradeiras notas da
última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da
aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia. [3]
Neste caso o paradoxo do personagem a qual Antonio Candido se refere fica
mais complexo ainda já que é o estabelecimento que aparece zoomorfizado no
enredo. O crítico Anatol Rosenfeld sugere que, em termos epistemológicos, a
personagem patenteia a estrutura imaginária da ficção. A linguagem pode
transformar qualquer descrição em vivência. O crítico acentua que na narração tudo
aparece antropomorfizado, pois o homem é o único ente que não se situa somente
no tempo, mas que é essencialmente o tempo. [4]
Segundo Otto Maria Carpeaux, Aluísio Azevedo escrevia dentro de uma
concepção estética chamada de naturalismo, que entre os expoentes despontavam Émile
Zola e Eça de Queiroz. O pendor adotado pelo escritor maranhense foi também reforçado
pelo naturalismo da Escola de Recife. [5] No
romance naturalista do século XIX, a voga era ditada pelo determinismo oriundo
de várias áreas científicas. Um dos autores mais citados era Auguste Comte, que
afirmava que a humanidade esteve passando por três etapas básicas do seu
processo evolutivo: o mítico, o metafísico e o positivo. Se nos dois primeiros
as explicações para o funcionamento da natureza e do mundo eram provenientes
das lendas e deuses – sendo que na segunda fase o monoteísmo foi a principal característica
–, na terceira etapa, denominada positiva, o mundo e a natureza passam a ser
explicados e compreendidos de forma mecânica pelos métodos da ciência e pela
racionalidade. Irônico foi o fato de que, devido a princípios positivistas em
voga no período em que O cortiço foi publicado, os cientistas sociais contemporâneos
desprezavam a literatura como fonte de produção de conhecimento na história ou
na sociologia. Estes teóricos somente consideravam os documentos oficiais do
Estado burocrático como fontes “legítimas” e “imparciais”.
As filosofias positivas, a teoria darwinista, o determinismo de Taine
estão presentes no discurso de Aluísio Azevedo. Quando este descreve que os
moradores do cortiço estão fadados a levar uma vida marcada por vários aspectos
como: pobreza, violência, prostituição, escravidão, a segregação, a
indignidade, a desigualdade; assim como pelo pagode e pela parati (cachaça). No
excerto abaixo há uma semelhança muito intensa com a profusão de notícias e
reportagens jornalísticas atuais sobre a violência e o descaso das autoridades
com os habitantes das favelas e cortiços das grande cidades.
A polícia era o grande terror daquela gente, porque,
sempre que penetrava em qualquer estalagem, havia grande estropício; à capa de
evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam os quartos, quebravam
o que lá estava, punham tudo em polvorosa. Era uma questão de ódio velho. [6]
É o discurso do determinismo racial que considerava como “seres
inferiores”, aquela gentalha das redondezas do cortiço, operários das fábricas,
trabalhadores da pedreira, lavadeiras, a maioria mulatos, imigrantes e
mestiços. Nesse jogo, os portugueses representavam as camadas que ainda
poderiam ter algum acesso a uma vida de classe média urbana, com aquisição de
propriedades, escravos, e títulos como no caso do personagem Miranda que
alcança o baronato. Já o casal Jerônimo e Rita Baiana representa, através de
uma união irregular, o cruzamento das raças, entre o português e a mulata, o
empreiteiro e a lavadeira. O português que sofre uma metamorfose, um processo
de “abrasileiramento” através dos gestos, jeitos e costumes.
A forma adotada pelo autor também indica muitas informações sobre o tempo
em que foi concebida. A forma pode ser concebida como o conjunto de
peculiaridades que compõe uma obra literária. Desde as palavras frases e
orações, passando por organização de parágrafos, capítulos, capa, configuração
física e metafísica do artefato. O pensador inglês Raymond Williams indica que
a forma adotada por um autor pode ser consciente, semiconsciente e
frequentemente instintiva. O consumo da forma provoca a ativação de um processo
social, semiótico e comunicativo. [7]
Estudar as formas literárias é investigar a importância das formas já existentes
e consagradas, bem como a feitura eterna de novas formas. Isto ocorre dentro de
um movimento dialético de modelagem, tentativa e erro.
Ao se inspirar e transpor um estilo oriundo da Europa para uma realidade
de subdesenvolvimento de herança colonial o autor naturalista não faz disto uma
cópia. Ao contrário, ele transcende de maneira profunda o sentido de “cópia” no
momento em que realiza a adaptação do modelo utilizado com a realidade social
na qual está inserido. Segundo Roberto Schwarz, a constituição de um romance
passa pela articulação entre estímulos oriundos da realidade social do autor e
através da transformação de outros romances. A combinação é regulada caso a
caso, de maneira singular. Este imbrincamento é chave da individualidade e da
historicidade da obra. [8]
No caso do realismo e do naturalismo brasileiro deve ser levado em
consideração durante o processo de análise os fatos históricos que
influenciaram o país sul americano. Francisco Doratioto, em texto sobre a
Guerra do Paraguai – um dos eventos mais relevantes da história do Brasil no
último quartel do século XIX e que marcou de maneira profunda o perfil da
política de Estado com ascensão do exército, o processo de abolição da
escravatura, a instauração do regime republicano, exercendo influência também
sobre os habitantes de áreas urbanas como a capital do país – traz alguns dados
interessantes para comparar e entender quem eram estes personagens do cortiço
de Aluísio Azevedo. A classe de trabalhadores pobres e desempregados do Rio de
Janeiro no final deste período era composta por um grande número de negros,
mulatos, imigrantes italianos, alguns portugueses menos abastados como indica o
escritor maranhense. Doratioto diz que muitos dos soldados negros que foram ao
Paraguai lutar ao lado da Tríplice Aliança eram na realidade escravos que já
possuíam suas cartas de alforria.
A imagem de que o Exército imperial era composto por
escravos resulta do equívoco de pensar que todo negro era escravo. (A população
escrava no Brasil era minoritária em 1864; o primeiro censo brasileiro, de
1872, registrava no país 8 milhões de homens livres – dos quais 3,8 milhões
brancos e 4,2 milhões negros ou mulatos – e em 1,5 milhão o número de
escravos).[9]
Esses dados reforçam a idéia da grande classe de homens livres pobres,
existente no Brasil durante o Segundo Império, do qual Aluísio Azevedo, Machado
de Assis e outros escritores brasileiros encontram terreno fértil para análise
social. A maior parte dos habitantes do cortiço pertencia a este contingente de
pessoas. José Ramos Tinhorão tece alguns comentários sobre as inovações
tecnológicas que ocorreram no Rio de Janeiro a partir da segunda metade do
século XIX e que estariam diretamente relacionadas ao surgimento e consolidação
de uma classe média urbana.
Após as novidades do telégrafo em 1852, das
comunicações por cabo submarino em 1855, e das primeiras linhas de estrada de
ferro do Rio para Petrópolis em 1854, e no caminho para São Paulo em 1855,
inaugura-se o sistema de tramways
(bondes puxados a burros) em 1859, o gasômetro para iluminação da cidade a gás
em 1860, dá-se início as obras de canalização dos esgotos em 1864, vem-se a
saber pelo primeiro censo geral que a corte tem duzentos e setenta e quatro mil
novecentos e quarenta e dois habitantes em 1872 e, finalmente, após falar-se
por telefone desde 1877, pode assistir-se em 1879 – prova definitiva da
modernidade – à primeira experiência com a luz elétrica.[10]
Grande parte dessas inovações tecnológicas que foram implementadas pela
corte imperial no Rio de Janeiro somente foram possíveis pela exploração da
massa de trabalhadores livres urbanos, do trabalho escravo nos latifúndios de
produção de café, pela liberação de capitais no âmbito das relações comercias
exteriores a partir da proibição do tráfico internacional de escravos em 1850,
e, pelos lucros comerciais do governo durante a Guerra do Paraguai. Tinhorão
continua argumentando sobre o surgimento da classe média urbana composta
basicamente por funcionários públicos e comerciantes neste período.
E isso se traduziria no aparecimento, ao lado da
moderna figura do operário industrial (as velhas fábricas de chapéus e calçados
vinham somar-se outras, como a primeira fábrica de chocolate em 1864 e a de
fumos e cigarros em 1874), das camadas algo difusas dos pequenos funcionários
públicos – repartições civis e militares, Correios e Telégrafos, Alfândega,
Casa da Moeda, Arsenal da Marinha, Estrada de Ferro Central do Brasil –, e de
empresas particulares (inglesas, belgas e norte-americanas) da área dos
transportes urbanos, da produção de gás e da iluminação pública.[11]
No processo de adequação do romance a realidade social brasileira, é
necessário destacar a análise de Sidney Chalhoub no livro Machado de Assis: historiador , quando utiliza a lei do Ventre
Livre e outros acontecimentos políticos para amparar suas análises sobre os personagens
do escritor de Memórias Póstumas de Brás
Cubas e Dom Casmurro. [12]
Em O cortiço, podemos ver todas essas
questões expostas durante o texto, como por exemplo, no trecho em que o
narrador apresenta o personagem Botelho, que etimologicamente significa
parasita.
Assim,
eram às vezes muito quentes as sobremesas do Miranda, quando, entre outros
assuntos palpitantes, vinha à discussão o movimento abolicionista que
principiava a formar-se em torno da lei Rio Branco. Então o Botelho ficava
possesso e vomitava frases terríveis, para a direita e para a esquerda, como
quem dispara tiros sem fazer alvo, e vociferava imprecações, aproveitando
aquela válvula para desafogar o velho ódio acumulado dentro dele. (...) [13]
O personagem do “parasita” é muito comum nos romances de Machado de Assis
e outros contemporâneos de Aluísio Azevedo. O Botelho é descrito como um velho
e ranzinza. Havia trabalhado muitos anos como empregado do comércio e depois como
corretor de escravos. O narrador aponta que Botelho (...) contava mesmo que estivera mais de uma vez na África negociando negros
por sua conta. Até a guerra do Paraguai ainda ganhara dinheiro chegando a
ser homem abastado. (...) mas a roda
desandou e de malogro em malogro, foi-lhe escapando tudo por entre as garras de
ave de rapina. [14]
No cotidiano do Botelho aparece um paradoxo entre os valores próprios da
sociedade escravocrata, no contexto do final do século XIX em decadência e o
culto a símbolos que remetem ao militarismo e a república. Aquela surda
tristeza de derrotado se diluía quando escutava os sons dos desfiles militares,
como fica evidente no trecho destacado.
(...)
apesar dos seus achaques, era ouvir tocar na rua a corneta ou o tambor conduzindo
o batalhão, ficava logo no ar, e, muita vez, quando se dava por si, fazia parte
dos que acompanhavam a tropa. Então, não tornava para casa enquanto os
militares não se recolhessem. Quase sempre voltava dessa loucura às seis da
tarde, moído a fazer dó, sem poder ter-se nas pernas, estrompado de marchar
horas e horas ao som da música de pancadaria. [15]
Nos últimos parágrafos do livro, João Romão, o português bronco e
ambicioso, em conluio com o Botelho, que explora até as últimas gotas de suor e
sangue da cativa Bertoleza, assiste ao suicídio da escrava rasgando sua barriga
com a faca que descamava o peixe para o jantar do seu senhor, deixando suas vísceras
esparramadas pelo chão da cozinha em frente aos policiais. E, logo no mesmo
instante, (...) parava a porta da rua uma
carruagem. Era uma comitiva de abolicionistas que vinha, de casaca! Trazer-lhe
respeitosamente o diploma de sócio benemérito. (...) Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas. [16]
As conjecturas políticas da escravidão que precederam a Lei Áurea de
1888, as dificuldades que os escravos forros tinham de efetivamente garantir
direitos civis nos documentos que deveriam significar sua liberdade. Todos os
homens e mulheres negros no livro têm uma condição de inferioridade no âmbito
das relações de atribuição de valor a vida. Do ponto de vista jurídico não
possuíam direitos como o caso da lavadeira Marciana, cuja filha Florinda
embuchou do funcionário de Romão. O proprietário não cumpriu a promessa de
obrigar o Domingos a casar com a menina, até mesmo facilitou sua fuga. A
lavadeira quando percebeu a negligência e o obscurantismo da polícia e de
Romão, fez escândalo e, por fim, tocada da estalagem pelo proprietário, de alma
gélida.
Marciana foi morrer num hospício após ter sua vida obliterada pelos
representantes institucionais do poder. As relações eram estritamente
unilaterais. Não havia nenhuma espécie de direitos civis reais para cativos
forros em decorrência de sua condição determinada pela inferioridade social. Uma
condição de inadequação e despreparo do Brasil com a condição política
republicana. O autor naturalista procura realçar dentro do discurso positivo as
teorias de Darwin, a entropia baseada na lei da termodinâmica tão influente no
final do século XIX. A sociedade para os naturalistas deveria funcionar através
da lei da seleção natural. Os portugueses, Romão, Miranda ou Jerônimo,
conseguem se adaptar as várias situações, constituindo uma raça superior. Já os
mulatos, negros, mestiços, índios, caboclos, mamelucos, cafuzos, fazem parte
das sub-raças. Porém, estas fornecem modelos de adaptação ao território para o
português. Podemos observar isto nos três personagens lusitanos de maneiras
diferentes.
João Romão não possui freios morais para alcançar sua ambição. Bronco,
procura se adaptar as situações passando por cima de qualquer pessoa. Engana a
escrava Bertoleza, desvia seu dinheiro e explora seu trabalho; rouba o dinheiro
do velho Libório e deixa este morrer carbonizado durante o incêndio; e a intenção
de se casar com Zulmira, a filha de Miranda, sendo o casamento uma moeda de
troca entre os dois vizinhos. O outro português é o Miranda. O vizinho e objeto
de inveja de Romão, Miranda (do latim, aquele que se mira, que se espelha) é
aristocrata e alcança o baronato. Sua adaptação se dá pelo casamento que leva
com a esposa rica reforçando a função do dote na sociedade brasileira.
O terceiro português é Jerônimo, comparado a um Hércules, pela força,
dedicação e decadência. Ao fim de um dia de trabalho pegava sua guitarra para
dedilhar os fados de sua terra natal. Entoava plena expressão às saudades da
pátria, através de cantigas macambúzias. Chorava o desterro das aldeias tristes
da sua infância. Aquela guitarra estrangeira tinha um lamento choroso e
dolorido. Depois que descobriu o pagode,
a mulata e a parati desandou a adaptar-se demoníaco com Rita Baiana, largando
Piedade e a filha Senhorinha, que tem destino determinado à prostituição em
função das condições sociais do cortiço. Trocou a guitarra pelo violão baiano,
participando das rodas de pagode.
Este antagonismo entre o português e o brasileiro, expresso
magnificamente através dos hábitos e costumes musicais dos personagens passam
por processos metafóricos de zoomorfização. Anatol Rosenfeld afirma que o papel
do personagem é transformar em evidência de pensamente o que é obscurecido pelo
cotidiano. Segundo o autor a relevância da literatura também se dá pela sua
função de afastar-se da realidade e eleva-la à um mundo simbólico que ajuda o
humano a entender sua própria realidade. Esta é uma das funções da literatura. [17] A
música, no cortiço, também é uma personagem. Ela exemplifica pragmaticamente o
entendimento do mundo. Há momentos, como o amanhecer de um domingo, em que o
violão pode ser escutado ao mesmo tempo em vários apartamentos ou cômodos.
Amanhecera um domingo alegre no cortiço, um bom dia de
abril. Muita luz e pouco calor. (...) A casa da Machona estava num rebuliço,
porque a família ia sair a passeio; a velha gritava Nenen, gritava o Agostinho.
De muitas outras casas saíam cantos ou sons de instrumentos; ouviam-se
harmônicas e ouviam-se guitarras, cuja discreta melodia era de vez em quando
interrompida por um ronco forte de trombone.
Os papagaios pareciam também mais alegres com o
domingo e lançavam das gaiolas frases inteiras, entre gargalhadas e assobios. À
porta de diversos cômodos, trabalhadores descansavam de calça limpa e camisa de
meia lavada, assentados em cadeira, lendo e soletrando jornais ou livros; um declamava
em voz alta versos de “Os Lusíadas”, com um empenho feroz, que o punha rouco.
(...)
Dentro da taverna, os martelos de vinho branco, os
copos de cerveja nacional e os dois vinténs de parati ou laranjinha sucediam-se
por cima do balcão, passando das mãos de Domingos e do Manuel para as mãos
ávidas dos operários e dos trabalhadores, que os recebiam com estrondosas
exclamações de pândega. (...) defronte da venda viera estacionar um homem que
tocava cinco instrumentos ao mesmo tempo, com um acompanhamento desafinado do
bombo, pratos e guizos. [18]
Fica clarividente que os personagens e as situações descritas dão a
impressão de que o cortiço funciona como um organismo. O acontecer das coisas
no amanhecer de domingo estão sempre ligadas a algo maior, a um ente que possui
um andamento próprio. Este ato de viver do estabelecimento através de seus
personagens e cenários, como as células de um corpo vivo, possui um ritmo, uma
dinâmica, que o autor representa através das sonoridades, da variedade das
músicas.
A música parece ter sido um tema recorrente dentro da literatura no fim
do século XIX. Através da leitura de O
cortiço (1890), fica evidente que o autor procura fazer uma identificação
intensa da vida cotidiana no Rio de Janeiro com a presença da música. Contemporâneo
de Aluísio Azevedo, Machado de Assis escreve contos em que o enredo está
amarrado pela música. Entre estes contos considero dois: Um homem célebre (1896) e O
Machete (1878). Nos contos citados o autor carioca trabalha na linha da
peteca entre música popular e música erudita. O crítico José Miguel Wisnik
informa que nos textos de Machado de Assis a música erudita representa a
cultura europeia e a arte legítima, profunda de conteúdo e sofisticada. A
música popular simboliza o gosto menos refinado, o grotesco, a brasilidade, a
lascívia, a sensualidade, o ritmo do trabalho e da vida cotidiana. [19]
Tereza Virgínia de Almeida
indica que a análise do conteúdo e da forma das canções permite o pesquisador
tentar perceber como se configuram em uma determinada cultura os sistemas e
linguagens atuantes. [20] A
autora aponta que esta substância provém daquilo que pertence ao imaginário do
músico, suas ideias e soluções musicais, suas referências culturais, a maneira
como toca o instrumento, sua performance, o domínio que ele deve ter nas
dinâmicas das canções. Sua história de vida está descrita no feeling que ele apresenta na hora de
executar as notas. Tanto em O cortiço
como em O Machete os autores descrevem o feeling que o músico popular exerce ao
desenvolver sua atividade, como no excerto abaixo.
A Rita Baiana essa noite estava de veia para a coisa;
estava inspirada; divina! Nunca dançara com tanta graça e tamanha lubricidade.
Também cantou. E cada verso que vinha
da sua boca de mulata era um arrulhar choroso de pomba no cio. E o Firmo,
bêbado de volúpia, enroscava-se todo ao violão, e o violão e ele gemiam com o
mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de bichos sensuais,
num desespero de luxúria que penetrava até ao tutano com línguas finíssimas de
cobra. (...) [21]
O texto de Aluísio Azevedo descreve vários tipos de música que eram
tocados no cortiço. No caso da guitarra portuguesa de Jerônimo e seus fados
macambúzios que o imigrante tocava após um dia inteiro de trabalho pesado de
empreitada. É perceptível a relação do tipo de canção com os costumes do
personagem.
Depois, até às horas de dormir, que nunca passavam das
nove, ele tomava sua guitarra e ia para defronte da porta, junto com a mulher,
dedilhar os fados de sua terra. Era nesses momentos que dava plena expansão às
saudades da pátria, com aquelas cantigas melancólicas em que a sua alma de
desterrado voava sobre as zonas abrasadas da América para as aldeias tristes da
sua infância.
E o canto daquela guitarra estrangeira era um lamento
choroso e dolorido, eram vozes magoadas, mais tristes do que uma oração em
alto-mar, que quando a tempestade agita as negras asas homicidas, e as gaivotas
doidejam assanhadas, cortando a treva com seus gemidos pressagos, tontas como
se estivessem fechadas dentro de uma abóbada de chumbo. [22]
Já os momentos em que os moradores do cortiço se reuniam para, com
violão, cavaquinho e instrumentos de percussão, tocarem e dançarem, o autor
denomina de pagode, palavra usada por ele em livro publicado em 1890. O pagode
estava amplamente presente na vida daquele segmento social do cortiço. O violão
do mestre Firmo e o cavaquinho do Porfiro são os principais instrumentos que
ressoavam no local em dia ou noite de pagode. Está colocado isto no domingo em que Rita Baiana volta para o
cortiço depois de alguns meses ausente. Nesta noite ela preparou um pagodinho
em seu cômodo.
E entre a alegria levantada pela sua reaparição no
cortiço, a Rita deu conta de que pintara na sua ausência; disse o muito que
festou em Jacarepaguá; o entrudo que fizera pelo carnaval. Três meses de folia!
E, afinal abaixando a voz, segredou às companheiras que à noite teriam um
pagodinho de violão. Podiam contar como certo! (...)
E assim ia correndo o domingo no cortiço até às três
da tarde, horas em que chegou o mestre Firmo, acompanhado pelo seu amigo
Porfiro, trazendo aquele o violão e o outro o cavaquinho. (...)
Desde a entrada dos dois, a casa de Rita esquentou.
Ambos tiraram o paletó e mandaram vir parati, “a abrideira para muqueca
baiana”. E não tardou para que se ouvissem gemer o cavaquinho e o violão. [23]
Nesta noite em que aconteceu a festa na casa de Rita Baiana, também
estavam ocorrendo outros forrobodós no entorno. Tanto no sobrado do Miranda,
vizinho ao cortiço, como em outras casinhas do estabelecimento, ouvia-se
conversas, gritos de empolgação, sons de copos e desarrolhar de garrafas. Na
casinha de Jerônimo e Piedade, que haviam sido convidados pelos colegas para ir
ao pagode, mas não foram, começaram a surgir sons dos fados sorumbáticos do
velho mundo. Nestas páginas do livro entra em cena uma das questões essenciais
para Aluísio Azevedo: a afirmação de uma identidade brasileira através da
musicalidade que diferencia o habitante destas do colonizador de além-mar.
Nisto começou a gemer à porta do 35 uma guitarra; era
Jerônimo. Depois da ruidosa alegria e do bom humor, em que palpitara àquela
tarde toda a república do cortiço, ela parecia ainda mais triste e mais saudosa
do que nunca (...)
E, com o exemplo da primeira, novas guitarras foram
acordando. E, por fim, a monótona cantiga dos portugueses enchia a alma
desconsolada o vasto arraial da estalagem, contrastando com a barulhenta
alacridade que vinha lá de cima, do sobrado do Miranda (...)
Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgico dos
desterrados, iam todos, até mesmo os brasileiros, se concentrando e caindo em
tristeza; mas, de repente, o cavaquinho do Porfiro, acompanhado pelo violão do
Firmo, romperam vibrantemente com um choro baiano. Nada mais que os primeiros
acordes da música crioula para que o sangue de toda aquela gente despertasse
logo, como se alguém lhe fustigasse o corpo com urtigas bravas. E seguiram-se
outras notas, e outras, cada vez mais ardentes e mais delirantes. Já não eram
dois instrumentos que soavam, eram lúbricos gemidos e suspiros soltos em
torrente, a correrem serpenteando, como cobras numa floresta incendiada; eram
ais convulsos, chorados em frenesi de amor; música feita de beijos e soluços
gostosos; carícia de fera, carícia de doer, fazendo estalar de gozo. (...) [24]
O narrador deixa clara a diferença entre as características da música
portuguesa e o sentimento de tristeza que ela gera e as percepções causadas
pela música brasileira, o pagode. As reações físicas e psicológicas que tomam
os personagens por inteiro são marcantes. Isto são fenômenos que ocorrem de
maneira concomitante nas outras colônias americanas, mais especificamente com o
spiritual, o blues e o jazz na
história dos estadunidenses e no caso da rumba, da salsa e tantos outros ritmos
caribenhos na América Central, em comparação novamente com as músicas europeias.
Por mais que todos esses ritmos do novo mundo tenham sido também influenciados
pelos estilos de músicas advindos da Europa, da África e da Ásia, foi no
continente americano que estas misturas e sincretismos ocorreram e se tornaram
o que são. O fato de Jerônimo ficar de queixo caído pelos ritmos da música
brasileira e pela malemolência e sensualidade da Rita Baiana e isso, de maneira
paulatina, ir transformando o bruto português num malandro brasileiro.
O personagem de Jerônimo, português acostumado com o trabalho de
empreitada, que sinaliza a superioridade da raça trabalhando com vontade,
vigor, esforço, organização que fazia valer por três ou mais brasileiros. A
estigmatização do personagem ocorre através da música. Tocador de guitarra
portuguesa, sempre fazia o instrumento entoar fados e outras formas de canções
que traziam o sentimento de saudade da terra natal. Era uma música triste como
uma lamúria saudosista.
Ao conhecer e se aproximar de Rita
baiana, o português logo começa a abrasileirar-se. Mais uma vez, o processo é
mediado através dos costumes e hábitos musicais do europeu. A cachaça, o pagode
e a mulata tem uma ação fulminante e desnorteadora no personagem. Jerônimo
passa a freqüentar os pagodes no cortiço e troca a guitarra portuguesa e sua
mulher lusitana, Piedade, pelo violão baiano e pela mulata Rita Baiana. O ponto
de inflexão, o epicentro do texto, está relacionado a cultura musical do
cortiço e passa pela dualidade entre a música portuguesa, séria e superior, e a
música brasileira, constituída pelo pagode, regado a cachaça, repleto de mulatas
sensuais e brigas de capoeira.
Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das
impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia;
ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e
das baunilhas, que o atordoava nas matas brasileiras (...) [25]
Nesse processo é notório observar a seguinte questão: o autor faz uso das
palavras samba e pagode para as reuniões de lundu e maxixe? O termo pagode, no
contexto da música, que na atualidade é amplamente utilizado, pode, por um
lado, sinalizar os encontros regados a samba, cachaça e cerveja e, por outro
lado, pagode pode indicar um tipo específico de samba. Principalmente a partir
dos anos 90 do século XX, quando o ocorreu um novo processo de especialização,
na indústria fonográfica brasileira, baseado na segmentação do mercado
consumidor de discos e CDs. Surgiram rótulos como pagode, axé e sertanejo. O
pagode passa a ser um segmento específico de produto musical. É claro que esta
definição está muito distante do significado que Aluísio Azevedo faz uso.
Restam muitas questões para entender melhor este processo que se desenrolou no
período do autor. O que eram realmente o samba e o pagode no final do século
XIX?
(...) A noite chegou muito bonita, com um belo luar de
lua cheia, que começou ainda com o crepúsculo; e o samba rompeu mais forte e
mais cedo que de costume, incitado pela grande animação que havia em casa do
Miranda.
Foi um forrobodó valente.
(...) Mas, lá pelo meio do pagode, a baiana caíra na
imprudência de derrear-se toda sobre o português e soprar-lhe um segredo,
requebrando os olhos (...) [26]
O autor parece usar os termos samba e pagode para situações muito
próximas das que atualmente utilizamos. O samba que segundo autores como
Hermano Vianna, Tinhorão e Carlos Sandroni, surgiu somente no final da década
de 1920, no Rio de Janeiro, em que se diferenciava dos sambas e pagodes
descritos pelo autor de O cortiço?
Malgrado, o samba tem suas conhecidas peculiaridades sensuais, rítmicas, de
promover o agrupamento de pessoas em torno dos músicos e dos dançantes. Como
eram as características do lundu e do maxixe? Segundo o narrador, a descrição
corresponde a algo muito próximo das rodas de samba atuais.
Parece ser realmente uma semente da musicalidade que marca a identidade
da cultura brasileira. Nos gestos e jeitos, danças e movimentos, valores e
motivos. O mundo representado pelos instrumentos do pagode como o violão e o
cavaquinho traz consigo o virtuosismo, o movimento corporal, a lascívia. A
expressividade se dá de forma natural. Pois, a maneira como os instrumentos
musicais, o violão e o cavaquinho, são representados no livro e as situações em
que ele aparece são sempre ocasiões de “passatempo”, que busca o entretenimento
imediato.
Como já comentado anteriormente, por outro lado, no mesmo momento
histórico, Machado de Assis utiliza a música para fazer discrepante tipo de
análise. Nos textos do autor carioca, o assunto essencial é a articulação entre
a música erudita e a popular. Em
O Machete , ele
constrói uma relação entre o violoncelo e o cavaquinho. Dentre as várias
discrepâncias apontadas pelo autor, podemos citar o caráter sério e inaudito do
músico erudito e o pendor lúdico e popularesco do cavaquinista. Outro ponto é a
discussão entre glória e sucesso, já debatido em Um homem célebre e mais uma vez fazendo todo o sentido dentro do
universo da música popular e o tipo de entretenimento que ela gera.
Portanto, enquanto Machado de Assis procura mostrar o popular em
antagonismo ao erudito, Aluísio Azevedo trabalha com a ideia da música popular
em si e como ela ocorre dentro do cortiço, amparando o paradoxo do português
que passa por um processo de abrasileiramento.
Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele,
dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num
trabalho misterioso e surdo de crisálida (...) A vida americana e a natureza do
Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam
(...) adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso
resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com
que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria
contra os conquistadores aventureiros. (...) e Jerônimo abrasileirou-se (...)[27]
O escritor fluminense em O machete
e em Um homem célebre não parece
estar tão preocupado com as idiossincrasias musicais do lundu, do maxixe e do
pagode. Como informa José Miguel Wisnik, isto ocorre devido ao fato de que
Machado escreve justamente no interregno entre o período da década de 1840,
quando a palavra polca passa a ser utilizada de forma hiperbólica (do ragtime
ao rock tudo é polca) até 1897, quando foi impressa a primeira partitura sob o
nome de maxixe. [28] O
pesquisador demonstra em seu texto o mercado de partituras que havia na época
através de crônicas machadianas. Contudo, denomina todas as canções populares de
polcas.
Porém, o autor maranhense, que também escreve no mesmo período, ao narrar
uma situação cotidiana de trabalho das mulatas lavadeiras, indica que as
condições da atividade eram fustigantes e que a música lhes parecia auxiliar e
dar mais resistência às dificuldades da labuta. Sob um sol cáustico, essas
mulheres se empenhavam em seu serviço. Almoçavam e voltavam para aquele calor
febril que fermentava-lhes o sangue. Comichões assanhadas pelo mormaço coçavam
quadris e virilhas. O narrador ressalta que enquanto labutavam, assoviavam e
cantavam chorados e lundus. [29]
Com diferentes personalidades, Machona, Augusta, Leocádia, Bruxa, Marciana,
Florinda, Dona Isabel, das Dores, Rita Baiana, Nenen e o Albino alternavam suas
atividades em esfregar, torcer, estender as roupas e entoar seus cantos. Isto
também é um outro tipo de associação que pode ser feita com a origem do blues
estadunidense. Lá, este estilo de música popular é também oriunda das worksongs, as canções de trabalho que os
escravos cantavam durante as construções das linhas férreas, das estradas, dos
canais, da mineração, do cultivo dos campos algodão das fazendas do sul dos
Estados Unidos, das prisões do Texas e outras localidades.
O hábito do canto durante uma
atividade dos escravos e seus descendentes é uma ideia que remete para um texto
do pesquisador Rafael Menezes Bastos. Este afirma que o mito das três raças,
que faz parte da formação do “pensamento social brasileiro” é suprimido em uma
fábula de duas raças no discurso sobre o pensamento musical brasileiro.
Afro-descendentes e indígenas representam dois pesos e medidas. Os escravos de
origem africana são admitidos como contribuintes para o nascimento da sociedade
e da música brasileira e de outros países das Américas, tendo como estandarte
sua corporalidade em função de seu passado cativo. A sua música e sua dança
passam a ser o signo do ritmo do trabalho escravo. Por outro viés, o índio é
olvidado e passa a ser visto como componente da memória de um passado longínquo
e há muito assimilado. A “doação” forçada de suas terras para a nação
brasileira e sua “incompatibilidade” para o trabalho na construção de um país
moderno e industrial justificam seu esquecimento. [30]
Não obstante, no contexto urbano
do Rio de Janeiro, além das discutidas características musicais de origem europeia
e africana, havia a música de origem indígena. As coisas e os costumes dos
antigos habitantes da região que não foram totalmente extirpados, mas sim
incorporados, mesclados à cultura, ao caldo cultural como fala Wisnik. Aluísio
Azevedo aponta também a relevância da música sertaneja no processo em que Jerônimo estava
se abrasileirando, ganhando sensibilidade para este tipo de canção tipicamente
brasileira.
Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música,
compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os
seus amores infelizes (...) [31]
Mário
de Andrade, se referindo à influência indígena na formação da música popular
brasileira, chegou a afirmar que [...] não
sabemos nada de positivo que a música popular brasileira tirou dos aborígines.
[32]
O autor procura buscar neste descompasso aspectos da musicalidade indígena que
estariam presentes nas formas musicais brasileiras. De acordo com o
pesquisador, o chocalho é uma adaptação civilizada de certos instrumentos
ameríndios como o maracá, dos tupis. As formas poéticas, que obrigam os cantos
a ocuparem uma conformação espacial de fraseado, usadas ainda principalmente no
nordeste, foram decerto créditos ameríndios. Também a sistematização do refrão
curto, com a repetição de uma só palavra no fim de cada verso.
Ainda
de acordo com Mário de Andrade, há uma série de indícios que apontam a
importância das mediações culturais entre a música europeia trazida pelos
padres jesuítas e as músicas indígenas na formação de estéticas da música caipira
brasileira. Os cantos geralmente realizados em duas vozes com acompanhamentos
do violão e da viola caipira. O cateretê ou catira é uma dança de nome tupi
muito praticada no interior de São Paulo. De ritmos como a catira nasceram
também as modas de viola caipira, os repertórios dos bailados e das toadas de
Folias. Possivelmente surgiu daí a música caipira, bem como também o batuque, a
mazurca, a querumana, a cana verde, entre outros ritmos largamente difundidos
em discografia especializada. O cururu também é dança de fusão ameríndia,
provavelmente oriunda da ação jesuítica. Está presente em festas populares
religioso-coreográficas como a dança de São Gonçalo e a dança de Santa Cruz. O
autor afirma ainda que é de origem autóctones a nasalação da voz na fala e no
canto, o bailado, como o “catimbó” nordestino e as características rítmicas que
frequentemente não são simétricas com as quadraduras estróficas da música
europeia.
3. Conclusão
João Romão chega a dizer que o
violão era um item presente no cotidiano dos residentes do cortiço durante as
noites, apesar de se gabar de não aceitar inquilino chinfrim. No entanto, na
estalagem havia gente de todo tipo, que tocavam músicas populares de origens
diferentes como o samba, o pagode, o lundu, o fado, as músicas caipiras ou
sertanejas. Fossem nos momentos de trabalho na pedreira ou das lavadeiras ou
nos instantes ociosos ou durante as festas. Na casa do vizinho português
escutava-se as valsas em noites festivas. Aluísio Azevedo consegue de maneira
excepcional dar sensação de serem entes reais seus personagens, transportando
de forma prazerosa o leitor para um confim existente no caldo cultural, na
memória coletiva brasileira.
4. Referências
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Maxixe: O Caso Pestana”. In: _______________. Sem receita. São Paulo. Publifolha, 2004.
[1]
CANDIDO, Antonio. “O personagem do romance” In:
CANDIDO, Antonio et al. A personagem de ficção. São Paulo:
Perspectiva, 2005, p.80.
[2] Idem,
ibidem, p. 55
[3]
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São
Paulo: Escala Educacional, 2006, (Série Nossa Literatura), p. 30.
[4] ROSENFELD, Anatol. “Literatura e personagem”. In:
CANDIDO, Antonio et al. A personagem de ficção. São Paulo:
Perspectiva, 2005, p. 28.
[5]
CARPEAUX, Otto Maria. “Períodos da história literária brasileira”. In: Ensaios reunidos: 1942-1978.
Organização, introdução e notas de Olavo de Carvalho. Rio de Janeiro: UniverCidade/Topbooks, 1999.
[6] AZEVEDO, op.cit., p. 114.
[7] WILLIAMS, Raymond. “Literature” and “Forms” In: Marxism and
literature. Oxford/New York. Oxford University Press, 1977,
p.190.
[8] SCHWARZ, Roberto. “Adequação nacional e originalidade
crítica” In: Seqüências brasileiras:
ensaios. São Paulo. Cia das Letras, 1999, p. 26 e 27.
[9]
DORATIOTO, Francisco. “Guerra do Paraguai”. In: MAGNOLI, Demétrio (Org.). História das Guerras. São Paulo:
Contexto, 2006, p. 270.
[10] TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. Rio de Janeiro: 34
Letras, 1998, p. 194.
[11] Idem,
ibidem, p. 194.
[12] CHALHOUB,
Sidney. Machado de Assis:
historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
[13]
AZEVEDO, op. cit. p. 27.
[14] Idem,
ibidem, pp. 26 e 27.
[15] Idem,
ibidem, p.27.
[16]
AZEVEDO, op. cit., p. 215.
[17]
ROSENFELD, op. cit., p. 49.
[18]
AZEVEDO, op. cit., pp. 52 e 53.
[19] WISNIK, José Miguel. “Machado Maxixe: O Caso
Pestana”. In: _______________. Sem
receita. São Paulo. Publifolha, 2004, p. 24.
[20]
ALMEIDA, T.V. O corpo do som: notas
sobre a canção. In: MATOS, Claudia Neiva de; TRAVASSOS, Elizabeth; MEDEIROS,
Fernanda Teixeira de (org.). Palavra
cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7 Letras,
2008, p. 323.
[21]
AZEVEDO, op. cit., p. 110 e 111.
[22] Idem,
ibidem, p. 52.
[23]
AZEVEDO, op. cit., pp. 57, 59 e 60.
[24]
AZEVEDO, op. cit., p. 68.
[25]
AZEVEDO, op. cit., p.70.
[26] Idem,
ibidem, pp. 110 e 111.
[27]
AZEVEDO, op. cit., p. 84.
[28] WISNIK, op.cit., pp. 32 e 33.
[29]
AZEVEDO, op.cit., p. 41.
[30] MENEZES BASTOS, R.J. de. “O índio na música
brasileira: Recordando Quinhentos Anos de Esquecimento”. In: TUGNY, R.P. e
QUEIROZ, R.C. de. (Org.) Músicas
africanas e indígenas no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006,
p. 123 e 124.
[31]
AZEVEDO, op. cit., p. 84.
[32] ANDRADE,
Mário de. Pequena história da música.
8ª edição. São Paulo: Martins, 1977, p. 180.
Atenção: este texto é propriedade intelectual do autor. Está publicado e protegido por dispositivos legais. Qualquer uso sem permissão do autor ocorrerá em crime previsto em Constituição.
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